O mundo vive um período de grandes incertezas sócio-político-econômicas. As diversas crises que eclodem pelo mundo, e em especial na Europa e no Oriente Médio, são interpretadas pela teoria dos sistemas-mundo como marcas do fim de um ciclo: sai de cena a hegemonia norte-americana. O enfraquecimento dos Estados Unidos é um processo que demorará anos e, portanto, o país ainda seguirá sendo fundamental para a estabilidade do planeta por muitos anos, mesmo sem ser o ‘todo-poderoso’. O significado do fim desta hegemonia é a principal divergência acadêmica entre os dois principais autores da teoria dos sistemas-mundo de maneira diferente: o americano Immanuel Wallerstein acredita que o fim do ciclo norte-americano coincidirá com o fim do capitalismo, enquanto o italiano Giovanni Arrighi acreditava que o capitalismo seguiria como modelo de acumulação e que os Estados Unidos seriam substituídos pela China como hegemon do sistema.
Olhando de uma perspectiva histórica, desde a implementação do capitalismo em seu modelo mais primitivo, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o mundo assistiu a quatro ciclos sistêmicos de acumulação e, consequentemente, a quatro hegemonias: a genovesa (séc. XIV ao séc. XVI), a holandesa (séc. XVI ao séc. XVIII), a britânica (séc. XVIII até o séc. XX) e a americana (a partir do séc. XX). A queda de um hegemon sempre ocorreu concomitantemente à aparição do seguinte e, durante este período de transição, ocorrem diversas crises demarcatórias e originadas das mudanças pelas quais o sistema passa. Assim foi da última vez, quando as duas guerras mundiais e a queda da bolsa de Nova York demarcaram o fim da hegemonia britânica e a consolidação dos Estados Unidos enquanto principal potência do sistema.
Os anos 70 foram o start do final do ciclo americano, sendo suas crises econômicas demarcatórias os choques do petróleo. Dez anos depois, começa o colapso político dos países Socialistas do Leste Europeu, que se seguiu a uma nova crise econômica, desta vez nos países emergentes. Apesar de as crises parecerem reforçar o poder dos Estados Unidos, elas também deram abertura para o crescimento de um rival, a República Popular da China, que também se fortaleceu. Nos anos 2000, as crises foram mais duras com os norte-americanos, como o ataque ao World Trade Center, em 2001 e a grande crise econômica de 2008, que ainda hoje causa impactos na economia americana e européia.
A interpretação arrighiana do mundo observa que as crises atuais marcam apenas a troca de hegemonia do sistema capitalista, ou seja, que se iniciará um novo ciclo sistêmico de acumulação sob a liderança chinesa. O mundo sob a égide da China deverá ser bastante diferente do que vemos atualmente. O Yuan deve ganhar importância enquanto moeda internacional, ao passo que o mandarim deve se tornar uma língua cada vez mais recorrente nos encontros políticos e de negócios. Além disso, as Forças Armadas de Pequim devem se tornar cada vez mais presentes, intervindo em outros países e patrulhando águas distantes, como no Atlântico.
As relações entre estados mudariam bastante no ‘mundo chinês’. Países ditos ‘emergentes’ – como o Brasil – ganhariam poder em relação ao panorama atual e países mais pobres, como alguns africanos, poderiam também obter ganhos econômicos, já que teriam relações menos abusivas com o centro hegemônico. Por outro lado, países da elite antiga, em especial Europa Ocidental e Japão, tenderiam a perder parte da importância que possuem atualmente. Essa previsão futura é resultado de processos que já estão sendo verificados hoje em dia – como crescimento econômico de países africanos que se aprofundaram em relações com a China e o aumento da importância de países emergentes na tomada de decisões políticas.
Wallerstein enxerga de outra maneira: as crises que vemos nos últimos anos demarcam não apenas o fim do ciclo norte-americano, mas também o fim do sistema-mundo capitalista. Sua tese é baseada na crença de que nem a China – nem outro país – terá poder suficiente para consolidar uma hegemonia clara e manter o capitalismo funcionando. Há indícios para isso, como o fato de Yuan ser ainda muito pouco procurado como moeda de reserva internacional, as muitas críticas políticas que recaem sobre o governo da China em relação a direitos humanos e o fato de os chineses terem questões territoriais a resolver, tanto continentalmente, quanto nos mares próximos.
O mundo pós-Estados Unidos é bastante nebuloso, mesmo para Wallerstein. Para gerações como a atual, que tem o capitalismo enraizado na sua formação, é difícil imaginar outros desenhos para o sistema internacional. O que se pode prever é que uma mudança desse porte virá acompanhada de crises ainda mais profundas que farão o sistema ruir de vez. Ou seja, se Wallerstein estiver certo, é provável que o mundo viva anos difíceis no curto prazo. O que virá depois é mero palpite seja revolução socialista, seja governo mundial, seja o que for. O que se sabe é que não será capitalismo.
Analisar o mundo pela ótica da teoria dos sistemas-mundo nos trás uma vantagem: poder analisar o mundo como um todo, e não país a país, como é feito geralmente. A desvantagem é, por outro lado, é que só conseguimos enxergar o sistema influenciando suas unidades e não conseguimos ver o contrário, como as unidades conseguem influenciar no sistema. E é justamente esta parte não analisada pela teoria que pode ser crucial para saber quem está certo, se Wallerstein ou Arrighi. Se os pesquisadores acertarem sobre o fim do ciclo norte-americano de acumulação, é o comportamento da China, dos Estados Unidos e dos outros países que vai determinar se a China assumirá o posto de potência hegemônica capitalista ou se o sistema capitalista irá ruir.
Deixe um comentário