Opinação

Troca de Hegemonia no Sistema Internacional Atual: Wallerstein versus Arrighi | 18 de dezembro de 2012

O mundo vive um período de grandes incertezas sócio-político-econômicas. As diversas crises que eclodem pelo mundo, e em especial na Europa e no Oriente Médio, são interpretadas pela teoria dos sistemas-mundo como marcas do fim de um ciclo: sai de cena a hegemonia norte-americana. O enfraquecimento dos Estados Unidos é um processo que demorará anos e, portanto, o país ainda seguirá sendo fundamental para a estabilidade do planeta por muitos anos, mesmo sem ser o ‘todo-poderoso’. O significado do fim desta hegemonia é a principal divergência acadêmica entre os dois principais autores da teoria dos sistemas-mundo de maneira diferente: o americano Immanuel Wallerstein acredita que o fim do ciclo norte-americano coincidirá com o fim do capitalismo, enquanto o italiano Giovanni Arrighi acreditava que o capitalismo seguiria como modelo de acumulação e que os Estados Unidos seriam substituídos pela China como hegemon do sistema.

Olhando de uma perspectiva histórica, desde a implementação do capitalismo em seu modelo mais primitivo, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o mundo assistiu a quatro ciclos sistêmicos de acumulação e, consequentemente,  a quatro hegemonias: a genovesa (séc. XIV ao séc. XVI), a holandesa (séc. XVI ao séc. XVIII), a britânica (séc. XVIII até o séc. XX) e a americana (a partir do séc. XX). A queda de um hegemon sempre ocorreu concomitantemente à aparição do seguinte e, durante este período de transição, ocorrem diversas crises demarcatórias e originadas das mudanças pelas quais o sistema passa. Assim foi da última vez, quando as duas guerras mundiais e a queda da bolsa de Nova York demarcaram o fim da hegemonia britânica e a consolidação dos Estados Unidos enquanto principal potência do sistema.

Mapa da divisão do mundo durante o ciclo norte-americano: em azul os países centrais, em verde os países semi-periféricos e em amarelo os países da periferia.

Os anos 70 foram o start do final do ciclo americano, sendo suas crises econômicas demarcatórias os choques do petróleo. Dez anos depois, começa o colapso político dos países Socialistas do Leste Europeu, que se seguiu a uma nova crise econômica, desta vez nos países emergentes. Apesar de as crises parecerem reforçar o poder dos Estados Unidos, elas também deram abertura para o crescimento de um rival, a República Popular da China, que também se fortaleceu. Nos anos 2000, as crises foram mais duras com os norte-americanos, como o ataque ao World Trade Center, em 2001 e a grande crise econômica de 2008, que ainda hoje causa impactos na economia americana e européia.

A interpretação arrighiana do mundo observa que as crises atuais marcam apenas a troca de hegemonia do sistema capitalista, ou seja, que se iniciará um novo ciclo sistêmico de acumulação sob a liderança chinesa. O mundo sob a égide da China deverá ser bastante diferente do que vemos atualmente. O Yuan deve ganhar importância enquanto moeda internacional, ao passo que o mandarim deve se tornar uma língua cada vez mais recorrente nos encontros políticos e de negócios. Além disso, as Forças Armadas de Pequim devem se tornar cada vez mais presentes, intervindo em outros países e patrulhando águas distantes, como no Atlântico.

O sociólogo italiano Giovanni Arrighi, falecido em 2009. Suas principais obras, entre outras, são O Longo Século XX (1994) e Adam Smith em Pequim (2007)

 

As relações entre estados mudariam bastante no ‘mundo chinês’. Países ditos ‘emergentes’ – como o Brasil – ganhariam poder em relação ao panorama atual e países mais pobres, como alguns africanos, poderiam também obter ganhos econômicos, já que teriam relações menos abusivas com o centro hegemônico. Por outro lado, países da elite antiga, em especial Europa Ocidental e Japão, tenderiam a perder parte da importância que possuem atualmente. Essa previsão futura é resultado de processos que já estão sendo verificados hoje em dia – como crescimento econômico de países africanos que se aprofundaram em relações com a China e o aumento da importância de países emergentes na tomada de decisões políticas.

Wallerstein enxerga de outra maneira: as crises que vemos nos últimos anos demarcam não apenas o fim do ciclo norte-americano, mas também o fim do sistema-mundo capitalista. Sua tese é baseada na crença de que nem a China – nem outro país – terá poder suficiente para consolidar uma hegemonia clara e manter o capitalismo funcionando. Há indícios para isso, como o fato de Yuan ser ainda muito pouco procurado como moeda de reserva internacional, as muitas críticas políticas que recaem sobre o governo da China em relação a direitos humanos e o fato de os chineses terem questões territoriais a resolver, tanto continentalmente, quanto nos mares próximos.

O sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein. Suas principais obras são, entre outras, The Capitalist World Economy (1979) e Dynamics of Global Crisis (1982, com Arrighi, Samir Amin e Andre Gunder-Frank).

O mundo pós-Estados Unidos é bastante nebuloso, mesmo para Wallerstein. Para gerações como a atual, que tem o capitalismo enraizado na sua formação, é difícil imaginar outros desenhos para o sistema internacional. O que se pode prever é que uma mudança desse porte virá acompanhada de crises ainda mais profundas que farão o sistema ruir de vez. Ou seja, se Wallerstein estiver certo, é  provável que o mundo viva anos difíceis no curto prazo. O que virá depois é mero palpite seja revolução socialista, seja governo mundial, seja o que for. O que se sabe é que não será capitalismo.

Analisar o mundo pela ótica da teoria dos sistemas-mundo nos trás uma vantagem: poder analisar o mundo como um todo, e não país a país, como é feito geralmente. A desvantagem é, por outro lado, é que só conseguimos enxergar o sistema influenciando suas unidades e não conseguimos ver o contrário, como as unidades conseguem influenciar no sistema. E é justamente esta parte não analisada pela teoria que pode ser crucial para saber quem está certo, se Wallerstein ou Arrighi. Se os pesquisadores acertarem sobre o fim do ciclo norte-americano de acumulação, é o comportamento da China, dos Estados Unidos e dos outros países que vai determinar se a China assumirá o posto de potência hegemônica capitalista ou se o sistema capitalista irá ruir.

A China terá força para substituir a hegemonia norte-americana?


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Sou Andrei Dias, paulistano, estudante de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, onde ingressei em 2011. Atualmente, também sou coordenador geral do NERI (Núcleo de Estudos em Relações Internacionais) uma entidade estudantil que promove discussões e palestras sobre diversas regiões do globo.

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