Opinação

Enxadristas na Síria

15 de setembro de 2013
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A Rússia, ao longo dos anos, foi lar de grandes mestres do xadrez como Anatoly Karpov, Vladimir Kramnik e o maior de todos eles, Garry Kasparov. A última semana de crise na Síria mostrou que a capacidade estratégica dos russos pode se manifestar para além do tabuleiro de xadrez, mais precisamente na política internacional. Quando a invasão americana-ocidental no país árabe parecia irreversível, surge Putin com uma solução capaz de evitar a ampliação do conflito e agradar a (quase) todos os lados, desde Obama até o combalido aliado russo Bashar Al-Assad.

O ataque químico de autoria não confirmada, ocorrido há algumas semanas em Damasco, parecia ser o estopim para uma intervenção internacional na Síria. A opinião pública aumentou a pressão sobre os governos de países como EUA, Reino Unido e França e, os próprios governos se sentiram compelidos ao ataque diante de uma clara violação de direitos humanos e de tratados internacionais reconhecidos, que apontam ataques químicos como crime de guerra. A culpa caiu, é claro, sobre o lado menos simpático e que teoricamente controlava a estrutura que produziu este tipo de armamento, o governo sírio. Com isso, a posição de Assad ficou ainda mais delicada do que já era, porque além de já enfrentar uma guerra civil duríssima, teria que enfrentar quase todo o resto do mundo contra si, respaldados tanto pelas forças militares desproporcionalmente maiores que a da Síria, quanto pela jurisdição internacional que prevê punições contra crimes de guerra.

Os únicos dois países que se mantiveram apoiando o regime sírio, incondicionalmente, foram o Irã e a Rússia. Moscou usou o tempo inteiro de seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU para impedir qualquer resolução que autorizasse uma invasão. Com isso obrigou norte-americanos e seus aliados a repensarem sua estratégia, pois o uso da força sem autorização da ONU também é, de certo modo, uma violação jurídica, e portanto requer uma justificativa muito forte. Ainda assim Obama só não atacou porque não conseguiu colocar a votação sobre a guerra em pauta no Congresso Americano – por causa do período de recesso dos deputados – o que foi providencial para que Assad aguentasse mais alguns dias. E nesse tempo, seu aliado russo se provou melhor do que um mero voto impeditivo nas Nações Unidas.

O presidente russo Vladimir Putin (esquerda), conversa com Barack Obama durante a cúpula do G20, coincidentemente ocorrida em Moscou.

Putin e sua equipe de Política Externa, com destaque para o chanceler Sergei Lavrov, desenharam um plano político e diplomático que impediu, de forma duradoura, a invasão. Solicitaram que Assad assinasse tratados de proibição do uso de armas químicas e deixasse o seu arsenal químico sob controle internacional, o que rapidamente foi aceito pelo ditador sírio. Essas duas simples ações desarmaram completamente Estados Unidos, Israel, França, e todos os países que ambicionavam atacar o país árabe, de tal forma que até a imprensa internacional parece ter sofrido uma virada. De quebra, Putin ainda conseguiu “salvar” Obama de entrar quase que por obrigação em uma guerra indesejável e recolocou a Rússia no centro da tomada de decisão política do mundo.

A desmobilização das possíveis forças invasoras na Síria aconteceu porque minou qualquer justificativa juridicamente forte para um ataque sem autorização da ONU. Toda a argumentação pró-intervenção era pautada no uso de armas químicas contra população civil e em como isso é desumano e “cruza a linha vermelha” do que é permitido ou não numa guerra. Em resumo, países como os Estados Unidos, França, etc., não poderiam se calar diante de tamanha atrocidade. Quando Assad assina os tratados e promete a entrega seu arsenal ao controle internacional, a ameaça de novos ataques químicos se torna minúscula e isso faz com que os custos políticos e de imagem relacionados à invasão se tornem relativamente muito altos.

Obama, apesar de defender publicamente a invasão por diversas vezes, também deve ter respirado aliviado que seu par russo tenha conseguido abrandar as tensões no Oriente Médio. Totalmente contrariado pelos mais diversos motivos econômicos e políticos, o presidente americano se vê obrigado a intervir na Síria, em virtude do papel de protagonismo dos Estados Unidos no mundo. O fardo da hegemonia é ter, muitas vezes, a obrigação de agir mesmo quando isso não parece ser a melhor decisão. A assinatura dos tratados de armas químicas e a promessa de entrega do arsenal, por parte de Damasco, fez com que a obrigação norte-americana para “resolver” a crise se tornasse menos urgente. Assim, a pressão pela invasão diminuiu e um novo “atoleiro” foi, pelo menos por enquanto, evitado

Não bastasse conseguir impedir uma guerra complicada, os russos conseguiram se recolocar no centro da tomada de decisão mundial novamente. Apesar de ter herdado da União Soviética o poder de veto e o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o país perdeu muito de seu poder nos últimos 20 anos, devido aos seus problemas econômicos e de política doméstica, e passou o bastão de “líder da oposição aos Estados Unidos” para a China. Contudo, as articulações feitas dentro do G20 e as negociações de Genebra, com Assad e Estados Unidos mostraram que a Rússia ainda é um player importante em negociações políticas e que ainda pode assumir o protagonismo ou a mediação em momentos de alta tensão regional ou global, algo que não acontecia há pelo menos 15 anos, com a Guerra do Kosovo.

A mudança do cenário político na Síria foi tão grande, que até a imprensa internacional mudou significativamente seu ângulo de visão sobre o que estava acontecendo. Na semana seguinte ao ataque químico dos subúrbios de Damasco, os jornais de maior importância mundial reportavam manchetes relacionadas ao tamanho do arsenal químico sírio ou de onde vieram os equipamentos para elaboração deste tipo de arma. Após a resolução proposta, o enfoque é muito maior nas negociações e já é até colocado em xeque a verdadeira autoria do ataque químico, ilustrando até depoimentos que afirmam que o ataque partiu de facções rebeldes de oposição ao governo.

O ministro das relações exteriores russo Sergei Lavrov (esquerda) foi peça importante no xadrez político da Síria. Aqui ele aperta a mão do secretário de Estado norte-americano, John Kerry.

Mas tantos lados não podiam ganhar com uma manobra política sem que alguns saíssem derrotados. Os grupos rebeldes, que lutam contra o regime de Bashar Al-Assad, saem enfraquecidos politicamente e sem a ajuda internacional que pode ser vital para sua vitória na na guerra civil. Além disso, ainda podem ser confirmados como sendo autores do ataque químico que gerou todo esse pico de tensão, fazendo com que sua imagem se deteriore muito em comparação com a do ditador e isso tornará suas lutas ainda mais complicadas de serem vencidas.

Outro que não deve ter ficado muito contente é Israel, que segue pressionando o mundo e, principalmente, Estados Unidos para entrarem na Síria e resolverem logo a questão. No início do conflito, para Israel até poderia ser bom a manutenção da ditadura de Assad, para manter a estabilidade na região, mas como a questão chegou a um ponto em que não é mais possível restaurar o país sem mudanças políticas e sociais profundas, Israel prefere interferir logo na questão, tirar Assad de uma vez por todas do poder e, principalmente, garantir que seus sucessores sejam moderados o bastante para manter ao menos um diálogo com Israel.

Os méritos da diplomacia russa na questão síria foram enormes mas ainda não definitivos. Por mais que fosse postergada uma atitude mais drástica, ela não foi e dificilmente será descartada até que a guerra civil seja resolvida de uma vez, o que está longe de acontecer. Para o plano dar certo e Putin gozar de seus benefícios, é importante manter Assad sobre controle e garantir que ele cumpra seu papel de entregar as armas químicas e assinar os tratados pertinentes. Isso é o que deve acontecer pelo menos no curto prazo, pois a situação do ditador sírio, caso isso não se cumpra, seria ainda pior do que era antes dos acordos. O custo de entregar armas químicas é pequeno perto da possibilidade de sair do poder ou ter seu território invadido pelo exército americano.

A Rússia provavelmente não tem mais poder para brigar pelo posto de hegemonia mundial, como aconteceu durante a Guerra Fria. Mas mostrou que pode sim ainda manter relevância política no mundo via mediação de conflitos e participação ativa em coalizões pró ou contra as políticas norte-americanas e, mais que isso, que esse é um dos melhores caminhos pelos quais o país pode seguir. E, pelo histórico de estrategistas russos, não é difícil imaginar que seus diplomatas e formuladores de política externa podem ter grande importância no xadrez da política internacional.


O Século da Dependência

7 de setembro de 2013
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A economia brasileira sofreu grandes mudanças nos últimos 125 anos. Da Lei Áurea ao PAC, muitos ministros da Fazenda e do Planejamento trabalharam para que ela se mantivesse crescendo e para que nossos indicadores macroeconômicos – inflação e Balança de Pagamentos, em especial – não saíssem do controle. Entre sucessos e fracassos de política econômica, o Brasil avançou muito e se modernizou no aspecto comercial e financeiro, mas ainda assim o último século terminou para a economia brasileira de uma maneira similar ao seu começo: a dependência em relação ao centro da economia global.

A marca da periferia se manifesta na condição da dependência. Em todos os momentos do século XX, o Brasil só conseguiu equilibrar inflação estável, equilíbrio na balança de pagamentos e crescimento do PIB quando a economia mundial se encontrava muito favorável aos nossos interesses, especialmente quando os capitais internacionais estavam dispostos a vir para as terras tupiniquins financiar o desenvolvimento econômico. Quando o cenário externo não era bom, o reflexo acabava vindo na forma de crescimento baixo, déficits seguidos na balança de pagamento, inflação crescente, e, principalmente, planos fracassados.

No final do século XIX e início do século XX, o Brasil era um típico país agrário-exportador. Mais que isso, sua pauta de exportação era praticamente baseada em um único produto, o café. Seu valor no mercado internacional era acompanhado mais atentamente pelos agentes brasileiros do que qualquer outro índice econômico, como taxa de câmbio, bolsa de valores, etc., algo impensável para qualquer economia de hoje. As atividades internas eram, a princípio de subsistência e surgiam aqui e acolá umas poucas indústrias de bens extremamente simples. O restante dos produtos eram adquiridos via importação.

Ao depender de praticamente um único produto para elevar exportações e contra-balancear as importações (no momento, pequenas), o Brasil se expôs não só a dependência dos preços internacionais do café, mas também de suas características enquanto produto, duas em especial: era um bem de demanda pouco elástica e era uma planta que demorava por volta de 4 a 5 anos para começar a dar frutos. As consequências foram dificuldades quando o preço do café ficava baixo no mercado internacional, fazendo com que a renda de exportadores e agricultores despencasse, além de gerar uma queda brusca no valor das exportações.

Para estes momentos de baixa, o governo criou os programas de valorização do café, primeiro temporariamente, depois um programa permanente, garantindo a compra o produto em períodos de baixa nos preços para revendê-lo em tempos de alta nos preços. Era também uma tentativa de elevar os preços por meio da redução da oferta mundial do café. Os primeiros programas, funcionaram, mas quando a valorização se tornou uma política permanente estimulou os cafeicultores demasiadamente para expandir suas plantações a patamares que superavam a demanda mundial, gerando super-safras que minavam cada vez mais as contas do governo – que financiava os programas via empréstimos de bancos estrangeiros. Mesmo com o fim do programa de valorização permanente, ainda ocorreram super-safras por causa do delay de maturação do café. Resultado: nos anos 30, o governo Vargas determina a queima de estoques de café.

A crise de 1929 veio e se mostrou um turning point da economia brasileira. O ambiente externo hostil obrigou o governo brasileiro a se movimentar para sair do abismo de café. O governo Vargas, então, da início ao projeto de industrialização brasileira e com ele, consegue relativo sucesso em sair da crise rapidamente.  Executar este começo de industrialização, entretanto, não foi fácil, pois a escassez de divisas fortes em praticamente todos os países fez com que os capitais estrangeiros não estivessem dispostos a vir financiar a compra de máquinas e insumos pelo Brasil. A saída foi um acordo comercial com a Alemanha (nazista), em que praticamente trocávamos máquinas por algodão e outros produtos agrários. Mais uma vez, a dependência brasileira no período se caracteriza pela vulnerabilidade ao cenário externo e pela necessidade de buscar acordos alternativos para conseguir engatar um projeto de desenvolvimento.

Passa-se a crise, vem a guerra. Boas condições para o Brasil exportar e realizar acordos vantajosos com os países desenvolvidos, o que o governo Vargas conseguiu com sucesso. O projeto de industrialização encontrava um cenário propício para avançar e conseguimos a CSN em troca do apoio aos aliados no front. A famosa Industrialização de Substituição de Importações (ISI), começava a tomar forma.

O processo de substituição de importações depende muito, por mais paradoxal que isso pareça, de importações. Em cada fase é necessário comprar máquinas e insumos para se produzir os bens simples (tecido, couro), os bens duráveis (carros, eletrodomésticos) e até os bens de capital (maquinário industrial). Após um país desenvolver a tecnologia de produção de bens pesados e de capital, ele pode – em tese – produzir seu próprio maquinário e tecnologia para manter sua indústria funcionando. Ou seja, de certo modo a economia deste país sai da condição de dependência quando atinge essa fase. O projeto brasileiro busca, no longo prazo, alcançar o último degrau da ISI e esse será o norte da economia brasileira até o final dos anos 80. Para isso é necessário manter-se importando e crescendo, para que o desenvolvimento também avance.

As coisas começam a ficar diferentes quando acaba o conflito e a Europa precisa de reconstrução e se torna palco dos conflitos ideológicos, necessitando de um grande aporte financeiro, que “chupa” quase todo o fluxo de capitais vindos dos Estados Unidos. O final dos anos quarenta e o começo dos anos cinquenta foram caracterizados por planos que visavam destravar “gargalos” da economia, tanto no que tange a dificuldades de financiamento, quanto – principalmente – problemas de infraestrutura física que impediam a economia brasileira de avançar. Porém, o cenário do começo da Guerra Fria impediu esses planos de darem certo, como já mencionado acima. Mais uma vez, a dependência externa fez o Brasil patinar.

Ela só volta a crescer substancialmente com o Plano de Metas, de Juscelino Kubitschek, em 1956. Os “50 anos em 5” se basearam no investimento direto estrangeiro, simbolizado pelas montadoras de carro e pela construção de Brasília. Além disso, criou estradas, ferrovias, atraiu a vinda de outras indústrias e, importante, fez o Brasil avançar um nível na substituição de importações. Antes produzíamos bens simples, como tecidos e alguns tipos de produto de couro e agora passamos a produzir carros e eletrodomésticos, um salto tecnológico significativo. Como superamos a escassez de divisas e trouxemos para cá a tecnologia? Mais uma vez a periferia precisou que o mundo central tivesse condições que permitissem seu avanço. As economias da Europa Ocidental já estavam crescendo substancialmente no final dos anos 50 e precisavam de algum lugar para investir o capital. Coube a equipe econômica de JK criar o ambiente propício para que os capitais europeus financiassem nosso avanço.

Entretanto, o ambicioso Plano de Metas foi um passo além do que a economia brasileira podia naquele momento. Os investimentos diretos estrangeiros não foram capazes de financiar todos os gastos de governo, de tal sorte, que foi necessário recorrer a empréstimos. Quando Juscelino sai da presidência, dois fantasmas assombram o Brasil: a inflação e o desequilíbrio da Balança de Pagamentos (BP). Apesar de sempre serem uma preocupação em toda a história republicana brasileira, em nenhum momento eles estiveram tão presentes quanto estariam a partir de então. O máximo que se viveu foi o déficit crônico de divisas fortes, uma restrição estrutural ligada a Balança de Pagamentos, mas que não necessariamente desencadeava déficits.

A inflação gerou conflitos sociais e políticos que os governos Jânio e Jango não conseguiram contornar. A dívida externa, por sua vez, impôs grandes dificuldades em captar recursos externamente, mesmo com condições razoáveis no mundo desenvolvido. Neste contexto, a tentativa de sair da crise foi o Plano Trienal de Celso Furtado e San Tiago Dantas, durante o governo Goulart. A tentativa manter crescimento e a ISI com políticas restritivas foi uma contradição que não pode se sustentar. O fracasso retumbante do plano e a crise influenciaram diretamente na queda do regime democrático e instauração da ditadura civil-militar, em 1964.

Os militares assumem durante a crise com a promessa de conter a inflação e para isso, chamam os ortodoxos Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões para assumir as pastas do Planejamento e da Fazenda. O plano é o PAEG (Plano de Ação Estratégica do Governo), bem restritivo e com metas de inflação bem definidas, que foram sempre parcialmente alcançadas. O resultado foi um controle parcial da inflação, melhora das contas externas (BP) ao custo do sacrifício das massas assalariadas e do crescimento econômico. O Brasil mostra que, naquele momento, não conseguiria manter crescimento, inflação e balança de pagamentos com índices favoráveis.

Se por um lado o PAEG apresentou resultados modestos em crescimento do PIB, no longo prazo, preparou o terreno macroeconômico para anos de crescimentos que o Brasil nunca viu igual, o período do chamado Milagre Econômico. Durante este início de anos 70 o Brasil viveu seu momento dourado: cresceu, baixou inflação e teve superávits na BP. E quem propiciou esse tripé, mais uma vez, foi o cenário externo favorável! O dinheiro estava sobrando nas contas dos bancos da Europa Ocidental, que vinha numa sequência grande de anos com crescimento. Os chamados “eurodólares” pousaram no Brasil para fazer avançar a ISI e o desenvolvimento brasileiro. Parecia que ninguém seguraria este país.

Parecia. As crises avassaladoras dos Choques do Petróleo, de 1973 e 1979, acabaram com o “milagre brasileiro”. A dependência brasileira em relação ao combustível fóssil vindo do estrangeiro fez com que a inflação disparasse e o déficit externo explodisse. O cenário externo, sempre ele, também estava comprometido, uma vez que a crise foi global e havia pouco capital circulando, dificultando empréstimos. Mas o governo Geisel foi ousado: ao invés de fazer uma contração forte na economia, resolveu acelerar a ISI ainda mais com o 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento). Basicamente, o plano da equipe econômica de Geisel era criar condições absurdas de juros e de pagamento de empréstimo para atrair o pouco capital externo que circulava e alcançar com ele o último estágio da ISI e sair da dependência.

Temporariamente, deu certo e o Brasil conseguiu penetração em alguns setores de bens de capital, mas no meio disso tudo, os Estados Unidos e a Europa também criaram condições apelativas para atração de crédito, o que rapidamente esvaziou o Brasil de capitais. A inflação continuava alta e crescia vorazmente e as dividas brasileiras só aumentaram com a tentativa de aprofundamento da ISI. Se nunca, até então o Brasil conseguira juntar superávit na balança de pagamentos, inflação controlada e crescimento, nesse momento conseguiu não ter nenhum dos três. Figueiredo quase não tem margem de manobra para atuar economicamente, passando quase despercebido, e Sarney, primeiro presidente pós-ditadura, assume com o objetivo primário de resolver ao menos o principal dos problemas, a inflação que passava de 100% e subia em níveis alarmantes.

Em meados dos anos 80. surgem diversas explicações para a inflação brasileira e teorias de como controlá-la. A corrente mais forte é de que a inflação brasileira se acelerava por causa da indexação de preços e rendas. O conflito social fazia com que vendedores, compradores, empresários e trabalhadores forçassem reajustes de preços e renda cada vez mais altos para compensar os efeitos da inflação sobre eles. Quanto a maneira de solução do problema, especialistas se divergiam, basicamente, em três propostas: choque heterodoxo, moeda de desindexação e pacto social. O governo Sarney, e seus diversos ministros escolhem o choque heterodoxo, com congelamento de preços. Simplificadamente, todos os planos de controle da inflação – Cruzado I, Cruzado II, Bresser e Verão – se baseiam no método.

O congelamento de preços se mostrou muito eficaz no começo, mas possuía algumas falhas graves. A primeira delas, desequilibrar o preço relativo dos bens, de acordo com o dia em que foram reajustados os preços pela última vez. Isso gerou redistribuição de renda entre os setores da economia e fez com que os “derrotados” pelo congelamento fizessem os produtos sumirem das prateleiras e fossem comercializados no mercado negro. A segunda é aquecer a economia, provocando pressão por aumento de preços, uma vez que houve um reajuste salarial que fez os preços ficarem relativamente baratos. Também colaborou a tensão sobre o momento do descongelamento, fazendo com que os agentes tivessem estímulos a continuar comprando enquanto estivessem os preços “baratos”. O cenário externo, por fim, contribuiu para os fracassos sucessivos dos planos brasileiros, já que a escassez de divisas fazia a moeda brasileira desvalorizar amplamente, aumentando custo de produtos importados e a dívida externa. Resultado, mais um presidente se fora e a inflação continuava lá, firme e forte.

Veio Collor e mais planos fracassados – Collor I e II. E uma crise política gigante, para acompanhar a duradoura crise econômica. Mas nem tudo foi de se jogar fora. Oficialmente o Brasil deixa a ISI e assume um programa de desenvolvimento menos heterodoxo com a liberalização das importações. Nos primeiros momentos, a medida não gerou grandes impactos, mas depois seria um fator importante no controle da inflação. O Impeachment, também colocou no poder Itamar Franco, o presidente que escolheu a equipe econômica responsável pela elaboração do mais famoso projeto econômico brasileiro de todos os tempos e que finalmente conseguiu debelar a inflação. Surge o Plano Real.

A proposta do Real era, basicamente, a proposta de moeda de desindexação, elaborada durante o governo Sarney. O governo criou uma moeda paralela (URV) fixada em relação ao Dólar, de maneira sobrevalorizada. A moeda anterior flutuava de acordo com a inflação e mantinha um câmbio flutuante em relação a URV. Os agentes poderiam escolher quais moedas usarem e, quando o uso da URV já era bastante difundido e sólido, foi feita a conversão para a moeda única (Real). O Plano foi um sucesso, e controlou a inflação, mas mais uma vez foi necessário que o cenário externo colaborasse.

A crise do petróleo já era passado e os capitais internacionais começavam a migrar para as áreas menos desenvolvidas, garantindo que o Brasil tivesse aporte financeiro de dólares para manter a paridade do câmbio fixo, crucial para manter a inflação baixa. O crescimento também foi sacrificado e ficou abaixo da média dos períodos anteriores, mesmo o dos anos 80. Mais uma vez, o Brasil dependia de condições externas favoráveis para sair de um problema econômico. Será que o Real era melhor que o Cruzado ou só foi colocado em prática em um cenário favorável?

Mas o século não terminou de maneira tranquila, mais uma crise afetou o Brasil em 1998, a Crise dos Emergentes. A crise era basicamente especulativa contra o câmbio fixo brasileiro, pressionando sua desvalorização, o que de fato ocorreu. Para segurar a inflação, que dependia do câmbio fixo para se manter, o governo troca a âncora inflacionária do câmbio fixo para as taxa de juros, fazendo assim o Brasil praticamente trocar possível inflação por aumento da divida externa.

E assim termina o século XX para o Brasil. Sai uma economia agrária, totalmente dependente do café, e entra uma economia industrializada e complexa, muito mais rica e importante para o mundo. Os passos que o Brasil deu, pautados ou não pelo cepalismo da ISI, não foram lineares porque o caminho seguido foi tortuoso e com muitos altos e baixos. As escolhas feitas pelos diversos governos, principalmente nos momentos de baixa, foram quase um malabarismo: se jogava uma “bola” para o alto para poder pegar outra antes de ela cair.  Tudo mudou mas algo ficou, o Brasil ainda era dependente do centro do mundo econômico para poder avançar ao desenvolvimento.

No final da primeira década do século XXI, a economia brasileira viveu, mais uma vez, um surto de crescimento, que em alguns momentos pareceu sinalizar o fim da dependência. Hoje, a economia já volta a patinar: o crescimento econômico do ano passado já foi mínimo e as previsões deste ano estão cada vez mais modestas, além da desvalorização abrupta do Real nas últimas semanas. Isso não é uma comprovação de que o Brasil ainda é dependente, mesmo porque todos os países do globo dependem de suas relações internacionais para manter economias vigorosas, mas a capacidade de solução e as consequências destes, por enquanto pequenos, problemas é que vão mostrar se o Brasil continua a ser um país de periferia ou se já alcançou o status de economia central.


A Questão da Maioridade Penal no Brasil

13 de junho de 2013
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A discussão a respeito da redução ou não da maioridade penal no Brasil para 16 anos, gera grande polêmica no país, em especial nas redes sociais. Relatos, comparações e argumentos são vistos a todo momento, principalmente por aqueles que defendem esta redução. Alguns argumentos são bem fundamentados, outros nem tanto, outros ainda partem de falsas premissas, o que é grave para o debate em alto nível. Debate em alto nível, por sua vez, é o que tentará ser proposto aqui, já que o assunto é bastante importante para a sociedade brasileira.

Apesar de um aparente clamor popular em favor da medida (segundo pesquisa recente, 92,7% dos brasileiros apoiam a redução da maioridade penal), ela não trará grandes benefícios para a questão da violência, gera uma incongruência com princípios jurídicos e ainda afasta o país da tendência internacional a respeito do assunto, e vai ao contrário do que os países com índices baixos de violência fazem.

A primeira questão é em relação à aprovação de uma lei apenas porque há uma vontade da maioria das pessoas. O uso da palavra “apenas” não é para minimizar a importância deste fator, mas somente para se enfatizar que ele não pode ser o único fator a ser considerado. Estado Democrático não significa ditadura da maioria, deve haver – e no Brasil há – dispositivos que garantam direitos a minorias ou que preservem aspectos fundamentais para sociedade. Estes dispositivos, sim, são soberanos e estão expressos, em geral, na Constituição de um país.

Um exemplo simples é o artigo 15 da Constituição, que garante a inviolabilidade dos direitos políticos exceto em alguns casos pontuais. Então, em suposição abstrata em que uma maioria seja favorável a um regime ditatorial, este ainda assim seria ilegítimo e não poderia ser implantado. O mesmo vale para discriminações raciais, de gênero, e violação de direitos fundamentais como liberdade de expressão, religiosa e, também, das crianças.

Passado este primeiro obstáculo, parte-se para um argumento já da questão em si, a redução da maioridade penal geraria uma incongruência lógico-jurídica no sistema brasileiro. Explica-se: diferenciação entre maiores de idade e menores de idade se justifica por uma premissa de que os menores de 18 anos ainda não completaram seu desenvolvimento físico, psicológico e mental, portanto necessitam de um tratamento diferenciado por parte do Estado. Esta “proteção” se manifesta nos mais diversos aspectos, desde proibição ao uso de produtos que possam atrapalhar seu desenvolvimento até a oferta de educação básica. Ou seja, juridicamente, se justifica a relativização da sanção de jovens através do argumento de que sua não formação plena é um atenuante no cometimento de um crime e que, uma pena aplicada para adultos seria prejudicial ao seu desenvolvimento.

Reduzir a maioridade penal para 16 anos é, portanto, admitir que um jovem esteja plenamente apto a ser tratado como adulto. Por dedução lógica, deve-se autorizar aqueles entre 16 e 18 anos a consumir bebidas alcoólicas, cigarro, dirigir, etc, com todas as consequências que isso pode gerar o que me parece totalmente não desejável para a sociedade em geral.

Outro ponto importante é que a sanção ao jovem é relativizada e não ignorada por completo. Os jovens não deixam de sofrer as consequências, apenas sofrem-nas de maneira condizente com sua realidade e com a premissa da formação ainda incompleta. E faz sentido: jogar um(a) garoto(a) numa prisão, no sistema prisional que temos hoje, é jogar uma vida praticamente no lixo. Além disso, as condições dos cárceres brasileiros ferem outro princípio fundamental do sistema penal, de que a sanção tem um caráter de reabilitação e não punição, o que é ainda mais grave para quem tem uma vida toda pela frente.

Falando em condições das prisões, temos problemas de ordem prática. Não é novidade que há uma superlotação de presos e a redução da maioridade penal só agravaria o problema. Além disso, as condições dos presídios brasileiros são péssimas e totalmente inadequadas para qualquer um, ainda mais para um jovem, também por conta da superlotação. Na Fundação Casa, não é muito melhor. Quem argumenta que um jovem mata porque só vai pegar 3 anos de prisão, e não 30, não deve ter passado sequer 3 dias dentro de uma cela no Brasil.

Internacionalmente, apesar de uma divulgação massiva do contrário, os países mais desenvolvidos e com menores índices de violência seguem o padrão de maioridade penal fixada em 18 anos. Houve uma pequena confusão(?), por parte de quem defende a redução, de dois conceitos jurídicos: maioridade penal e responsabilidade penal. A responsabilização de um crime é diferente de sua punição de acordo com os termos dados genericamente no Código Penal de um país. E de fato, a RESPONSABILIDADE criminal na Noruega é de 15 anos, na Inglaterra e no país de Gales de 10 anos e por aí vai, não interferindo no fato de a MAIORIDADE penal destes países ser de 18 anos. Ah, só para não esquecer, no Brasil a responsabilidade penal é de 12 anos.

A comparação com outros países, em especial com aqueles que mantém índices pequenos de criminalidade, ilustra que as causas da violência no Brasil não são uma questão apenas de leis ou de maioridade penal, pois o Brasil, atualmente aplica os mesmos standards que estes países. Desta maneira, não é difícil imaginar que reduzir a maioridade penal por si só, gerará pouco impacto redução da violência.

O jovem não comete um crime porque ficará no máximo 3 anos na Fundação Casa ao invés de 30, mas sim por diversos outros fatores como pobreza, desestruturação familiar, impossibilidade de ascensão social, problemas na educação e muitos outros cuja proposta do texto não é analisar.

Reduzir a maioridade penal seria um erro crasso cometido pelos políticos brasileiros. Além de incongruências no plano teórico, na prática o alto custo de jogar fora a vida e a capacidade de milhares de jovens, por não lhes dar uma chance de reabilitação, não seria de forma alguma compensado por uma redução nos índices de criminalidade. A violência no Brasil é um problema social e não jurídico.


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China, Japão e Coréias: Novas mudanças, novos rumos

4 de janeiro de 2013
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A passagem de ano nos remete a sensação mudança, de novas atitudes, novas posturas e principalmente de esperança de que dias melhores virão. No extremo oriente, 2013 trará, de fato, muitas novidades: os quatro países da região – Coréia do Sul, Coréia do Norte, República Popular da China e Japão – passaram por mudanças recentes na chefia de Estado.

A Coréia do Sul passou por recente troca no comando do governo e, em fevereiro, assume Park Geun-Hye, filha do General Park Chung-Hee, ditador que comandou o país de 1961 até sua morte em 1979.  A recém-eleita Park tem 60 anos e será a primeira mulher a governar o país. Além disso, pertence ao partido conservador Saenuri, que já comanda o país desde a última eleição presidencial, por meio de Lee Myung-Bak.

Park Geun-Hye, primeira mulher a ser presidente da Coréia do Sul. Eleita no último mês, ela iniciará suas atividades em Fevereiro.

No lado norte do paralelo 38, a mudança de liderança aconteceu no final de 2011, quando morreu o “querido líder” Kim Jong-Il e assumiu seu filho, o jovem Kim Jong-Un. Com apenas 28 ou 29 anos (não se sabe a idade ao certo), Kim Jong-Un se tornou o mais jovem chefe-de-Estado do planeta e, desde o começo, teve que enfrentar oposição de uma parte das forças armadas norte-coreanas que preferiam alguém mais linha-dura para assumir o comando do país comunista. Além disso, o novo Líder Supremo tem que lidar com as dificuldades de manter um projeto nuclear a contra-gosto de quase todo o planeta.

Kim Jong-Un, filho mais jovem de Kim Jong-Il assumiu o poder na Coréia do Norte em Dezembro de 2011. Acima, ele discursa para a população por ocasião do último ano novo.

No Japão, Shinzo Abe ganha nova chance como premiê, depois de um ano de mandato entre Setembro de 2006 e Setembro de 2007. Abe é do partido Liberal Democrata (LDP), de matriz ideológica conservadora e que mais tempo ficou no poder desde a instauração da democracia japonesa. A mudança ocorre no meio de uma crise bilateral com a China pela disputa de algumas ilhas entre os dois países, chamadas de Diaoyu pelos chineses e Senkaku pelos japoneses.

Após a vitória de seu partido nas eleições parlamentares no último mês, Shinzo Abe assume novamente o posto de primeiro-ministro do Japão. Ele já havia ocupado o posto entre 2006 e 2007.

Em Março, Xi Jinping deverá ser o novo Chefe-de-Estado da República Popular da China. A mudança ocorre após 10 anos de governo de Hu Jintao, durante os quais a China assumiu o posto de segunda maior economia e de maior exportador do planeta. Xi vem da facção dos chamados “príncipes” do Partido Comunista Chinês, filhos de ex-membros importantes do partido ou que participaram da Guerra Civil Chinesa, que colocou os comunistas no poder em 1949. No caso de Xi, ele é filho de Xi Zhongxun, ex-vice-premiê e guerrilheiro que lutou na expulsão dos japoneses da China e na Guerra Civil.

Xi Jinping deve assumir a presidência da China em Março, por apontamento do Partido Comunista Chinês.

As mudanças nas cúpulas de poder afetam as duas principais focos de tensão na região: o conflito entre as Coréias do Norte e do Sul e o recente acirramento da rivalidade entre Japão e China. Enquanto na península as esperanças são renovadas com a troca de comando e as projeções futuras são positivas, a relação entre Tóquio e Pequim deve se tornar cada vez mais ríspida dado o perfil dos novos chefes-de-Estado.

Nas Coréias, os discursos mostram uma convergência para a melhora. Mesmo antes de assumir, a futura presidente Park tem defendido um maior diálogo com os vizinhos do norte e de um maior aporte financeiro de ajuda humanitária vindo de Seul. Claro, que as maiores quantidades de doações devem ser condicionadas à restrições ou ao término do programa nuclear norte-coreano, mas a disposição para o diálogo já é uma evolução em comparação ao período Lee Myung-Bak que lidou de forma dura com Pyongyang, cortando boa parte da ajuda financeira ao norte e se fechando cada vez mais para o diálogo com o vizinho.

Não é segredo para ninguém que a Coréia do Norte passa por dificuldades sociais, principalmente por causa de dois grandes déficits: de energia e de alimentos, assuntos aparentemente ignorados pelo “Querido Líder” Kim Jong-Il, que governou o país socialista de 1994 até sua morte em Dezembro de 2011. Contudo, em um discurso surpreendente neste ano novo, o atual comandante dos norte-coreanos, Kim Jong-Un, disse que a prioridade de 2013 é aumentar a qualidade de vida de sua população. E ainda defendeu, no mesmo discurso, a paz e a reconciliação com Seul, chegando até a falar em reunificação, uma palavra que é quase um tabu na península coreana. A única nota negativa é a promessa de modernização do exército, ainda que sem citar armamentos atômicos.

Mísseis norte-coreanos em parada militar. O programa nuclear norte-coreano é um dos cernes da permanente crise entre norte e sul.

Observando, portanto, o comportamento dos novos líderes coreanos, devemos esperar uma melhora em relação ao período anterior. Kim Jong-Il e Lee Myung-Bak se trataram com muito mais rispidez e quase chegaram a guerra de fato em alguns momentos, como em 2010, quando a Coréia do Norte bombardeou uma ilha ocupada por sul-coreanos, matando duas pessoas. Contudo, a melhoria esperada das relações durante os governos de Park e Kim Jong-Un deve acontecer de forma gradual. A retomada do envio de ajuda ocorrerá aos poucos, pois as contrapartidas oferecidas por Pyongyang também irão progredir de forma lenta. É improvável o desmantelamento do programa nuclear no curto prazo, por exemplo.

Já no Japão, a volta dos conservadores ao poder e, principalmente, a figura de Shinzo Abe aumenta as tensões regionais com a vizinha China. Mesmo antes, da volta do LDP ao poder, a disputa pelas ilhas Diaoyu/Senkaku já se agravaram quando o governo japonês anunciou a compra da ilhas que são propriedade de uma família japonesa. A China criticou duramente a ação e chamou-a de ilegal. O novo primeiro-ministro já declarou ser a favor de reformar a atual constituição e recriar forças militares para o Japão – desde o término da Segunda Guerra Mundial, o país não possuí forças armadas oficialmente e tem sua defesa garantida pelos Estados Unidos. O discurso é claro, pode não ter relação direta com a disputa pelas ilhas, mas sinaliza que a vontade do novo governo é um Japão mais agressivo.

Mapa do jornal inglês The Guardian que ilustra a disputa pelas ilhas Diaoyu/Senkaku.

Xi Jinping, por sua vez, não tem nenhum histórico de ser um nacionalista extremado. Não mais do que a média de seus compatriotas ou do que ex-presidente Hu Jintao. Mas ainda assim é um novo governante – que precisa mostrar serviço para seus pares do partido comunista – de um país que deve assumir o posto de líder do sistema internacional em no máximo 50 anos. É provável, portanto, que Xi reaja com mais força do que seu antecessor reagiria à um movimento nacionalista dos japoneses, podendo provocar um conflito bélico. Como a China tem outras disputas por ilhas na região e no sudeste asiático, é pouco crível que um primeiro movimento de agressão venha de Pequim, apenas uma reação dura. Mas com Shinzo Abe no governo do Japão, não difícil crer que o estopim possa vir de Tóquio.

De Dezembro de 2011 à Março de 2013, num período de apenas 1 ano e 3 meses, vimos os quatro países do nordeste asiático trocarem seus comandantes, dois de maneira democrática, um de maneira ‘semi-democrática’ e um de maneira totalmente autoritária. Independente, porém, dos regimes políticos de seus países, os perfis individuais de cada um que determinarão como se dará a geopolítica da região nos próximos anos. Olhando o que cada um vêm dizendo em discursos e as condições em que assumem, pudemos tirar perspectivas das tensões da região.

As Coréias parecem caminhar para uma ligeira melhora, mas os discursos de Park e Kim Jong-Un precisam ser colocados em prática, para que não sejam meras promessas políticas. Todos têm a ganhar com isso, principalmente a população norte-coreana que vê a possibilidade de melhorar suas condições de vida com a ajuda externa. Já o conflito – por enquanto apenas diplomático –  entre China e Japão, alça a região a um nível de tensão que a coloca entre as mais perigosas do mundo, já que em nenhuma outra região, dois países tão grandes estão em choque. É importante lembrar que, caso haja um embate bélico entre Japão e China, os Estados Unidos entram quase que automaticamente na disputa, já que por meio de tratado internacional têm a obrigação de garantir a segurança japonesa desde a Segunda Guerra Mundial, em troca de Tóquio aceitar restrições militares rígidas. Portanto, Abe e Xi Jinping vão ter que abrandar os discursos e a prática em nome de maior tranquilidade não só para a região, mas para todo o planeta. Por incrível que pareça, o conflito coreano parece não ser o principal problema de segurança do Leste da Ásia em 2013.


Os números de 2012

4 de janeiro de 2013
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Report de ano novo feito pelo WordPress para o blog. Ficou bacana então decidi compartilhar com todos antes de fazer a primeira postagem de 2013.  Cliquem no link para ver o report com todos os dados de 2012.

Clique aqui para ver o relatório completo


Publicado em Pessoal

Troca de Hegemonia no Sistema Internacional Atual: Wallerstein versus Arrighi

18 de dezembro de 2012
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O mundo vive um período de grandes incertezas sócio-político-econômicas. As diversas crises que eclodem pelo mundo, e em especial na Europa e no Oriente Médio, são interpretadas pela teoria dos sistemas-mundo como marcas do fim de um ciclo: sai de cena a hegemonia norte-americana. O enfraquecimento dos Estados Unidos é um processo que demorará anos e, portanto, o país ainda seguirá sendo fundamental para a estabilidade do planeta por muitos anos, mesmo sem ser o ‘todo-poderoso’. O significado do fim desta hegemonia é a principal divergência acadêmica entre os dois principais autores da teoria dos sistemas-mundo de maneira diferente: o americano Immanuel Wallerstein acredita que o fim do ciclo norte-americano coincidirá com o fim do capitalismo, enquanto o italiano Giovanni Arrighi acreditava que o capitalismo seguiria como modelo de acumulação e que os Estados Unidos seriam substituídos pela China como hegemon do sistema.

Olhando de uma perspectiva histórica, desde a implementação do capitalismo em seu modelo mais primitivo, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o mundo assistiu a quatro ciclos sistêmicos de acumulação e, consequentemente,  a quatro hegemonias: a genovesa (séc. XIV ao séc. XVI), a holandesa (séc. XVI ao séc. XVIII), a britânica (séc. XVIII até o séc. XX) e a americana (a partir do séc. XX). A queda de um hegemon sempre ocorreu concomitantemente à aparição do seguinte e, durante este período de transição, ocorrem diversas crises demarcatórias e originadas das mudanças pelas quais o sistema passa. Assim foi da última vez, quando as duas guerras mundiais e a queda da bolsa de Nova York demarcaram o fim da hegemonia britânica e a consolidação dos Estados Unidos enquanto principal potência do sistema.

Mapa da divisão do mundo durante o ciclo norte-americano: em azul os países centrais, em verde os países semi-periféricos e em amarelo os países da periferia.

Os anos 70 foram o start do final do ciclo americano, sendo suas crises econômicas demarcatórias os choques do petróleo. Dez anos depois, começa o colapso político dos países Socialistas do Leste Europeu, que se seguiu a uma nova crise econômica, desta vez nos países emergentes. Apesar de as crises parecerem reforçar o poder dos Estados Unidos, elas também deram abertura para o crescimento de um rival, a República Popular da China, que também se fortaleceu. Nos anos 2000, as crises foram mais duras com os norte-americanos, como o ataque ao World Trade Center, em 2001 e a grande crise econômica de 2008, que ainda hoje causa impactos na economia americana e européia.

A interpretação arrighiana do mundo observa que as crises atuais marcam apenas a troca de hegemonia do sistema capitalista, ou seja, que se iniciará um novo ciclo sistêmico de acumulação sob a liderança chinesa. O mundo sob a égide da China deverá ser bastante diferente do que vemos atualmente. O Yuan deve ganhar importância enquanto moeda internacional, ao passo que o mandarim deve se tornar uma língua cada vez mais recorrente nos encontros políticos e de negócios. Além disso, as Forças Armadas de Pequim devem se tornar cada vez mais presentes, intervindo em outros países e patrulhando águas distantes, como no Atlântico.

O sociólogo italiano Giovanni Arrighi, falecido em 2009. Suas principais obras, entre outras, são O Longo Século XX (1994) e Adam Smith em Pequim (2007)

 

As relações entre estados mudariam bastante no ‘mundo chinês’. Países ditos ‘emergentes’ – como o Brasil – ganhariam poder em relação ao panorama atual e países mais pobres, como alguns africanos, poderiam também obter ganhos econômicos, já que teriam relações menos abusivas com o centro hegemônico. Por outro lado, países da elite antiga, em especial Europa Ocidental e Japão, tenderiam a perder parte da importância que possuem atualmente. Essa previsão futura é resultado de processos que já estão sendo verificados hoje em dia – como crescimento econômico de países africanos que se aprofundaram em relações com a China e o aumento da importância de países emergentes na tomada de decisões políticas.

Wallerstein enxerga de outra maneira: as crises que vemos nos últimos anos demarcam não apenas o fim do ciclo norte-americano, mas também o fim do sistema-mundo capitalista. Sua tese é baseada na crença de que nem a China – nem outro país – terá poder suficiente para consolidar uma hegemonia clara e manter o capitalismo funcionando. Há indícios para isso, como o fato de Yuan ser ainda muito pouco procurado como moeda de reserva internacional, as muitas críticas políticas que recaem sobre o governo da China em relação a direitos humanos e o fato de os chineses terem questões territoriais a resolver, tanto continentalmente, quanto nos mares próximos.

O sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein. Suas principais obras são, entre outras, The Capitalist World Economy (1979) e Dynamics of Global Crisis (1982, com Arrighi, Samir Amin e Andre Gunder-Frank).

O mundo pós-Estados Unidos é bastante nebuloso, mesmo para Wallerstein. Para gerações como a atual, que tem o capitalismo enraizado na sua formação, é difícil imaginar outros desenhos para o sistema internacional. O que se pode prever é que uma mudança desse porte virá acompanhada de crises ainda mais profundas que farão o sistema ruir de vez. Ou seja, se Wallerstein estiver certo, é  provável que o mundo viva anos difíceis no curto prazo. O que virá depois é mero palpite seja revolução socialista, seja governo mundial, seja o que for. O que se sabe é que não será capitalismo.

Analisar o mundo pela ótica da teoria dos sistemas-mundo nos trás uma vantagem: poder analisar o mundo como um todo, e não país a país, como é feito geralmente. A desvantagem é, por outro lado, é que só conseguimos enxergar o sistema influenciando suas unidades e não conseguimos ver o contrário, como as unidades conseguem influenciar no sistema. E é justamente esta parte não analisada pela teoria que pode ser crucial para saber quem está certo, se Wallerstein ou Arrighi. Se os pesquisadores acertarem sobre o fim do ciclo norte-americano de acumulação, é o comportamento da China, dos Estados Unidos e dos outros países que vai determinar se a China assumirá o posto de potência hegemônica capitalista ou se o sistema capitalista irá ruir.

A China terá força para substituir a hegemonia norte-americana?


O Fim da Dinastia?

24 de outubro de 2012
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A guerra civil na Síria já dura mais de um ano e já levou a vida de dezenas de milhares de pessoas. A rede de alianças do Presidente Bashar Al-Assad e os problemas ocorridos recentemente na transição de governo de outros países árabes – como Egito e Líbia – evitaram, por ora, a intervenção militar direta na Síria. O papel de outros Estados e de Organizações Internacionais no conflito foi, até então, limitado a pequenas ajudas informais aos grupos contrários ao governo e declarações contrárias à repressão do governo ditatorial. A situação de conflito, contudo, parece ter alcançado uma nova fase, onde as tropas de Assad já não parecem ter controle sobre a situação.

O primeiro indício do enfraquecimento das forças do ditador foi o começo do uso da força aérea de maneira mais ostensiva há alguns meses. Como forças populares que se rebelam contra o governo, em geral, não tem acesso a armamentos sofisticados – como aviões e helicópteros – é normal que optem por táticas de guerrilha em terra. Deste modo, é melhor que as Forças Armadas oficiais respondam também por terra, já que os ataques aéreos são pouco precisos contra guerrilheiros. Logo, o uso ostensivo de aviões pode ser interpretado como um certo desespero de Assad ante o enfraquecimento de suas posições na guerra.

Rua na cidade de Aleppo, na Síria, destruída durante a guerra civil.

Um outro sinal de fraqueza das forças pró-governo, é o “vazamento” do conflito para países vizinhos. No último mês houve explosões de morteiros em uma vila próxima a fronteira entre a Síria e a Turquia, mas já dentro do território turco, com vítimas fatais. O premiê Recep Tayyip Erdogan deu duras declarações contra o regime sírio, ameaçou invocar o famoso artigo 5 da carta da OTAN – que envolveria outros países da organização no conflito – e respondeu ordenando bombardeios em algumas áreas do país árabe, também próximas a fronteira. Novas agressões acirrarão as tensões e podem fazer com que a Turquia entre em conflito aberto com seu vizinho, ao lado das forças rebeldes. Pode-se dizer que seria o fim de Assad, já que uma invasão da Turquia seria respaldada por seus aliados ocidentais.

No Líbano, a coisa ficou ainda mais feia. Um ataque terrorista em plena capital Beirute – com fortes indícios de participação síria – matou oito pessoas, entre elas um importante funcionário de segurança do governo, Wissam Al Hassan, que no passado foi responsável por investigações que culparam o Hizbollah e outros membros de governo – sempre aliados de Assad – por atentados que mataram importantes figuras libanesas que faziam oposição ao governo sírio, entre elas o ex-premiê Rafik Al-Hariri. Ao contrário da Turquia, que tem um governo muito mais estável e organizado, o Líbano foi devastado pelos respingos do conflito sírio. A divisão sectária entre sunitas, xiitas e cristãos se acirrou e começaram os conflitos entre as facções. O frágil exército, pouco pode fazer para controlar as tensões populares. As lembranças da Guerra Civil voltam a assombrar o pequeno país do Oriente Médio, que não conseguiu responder ao ataque.

Quem perdeu no Líbano, a princípio, foram os inimigos de Assad, mas a instabilidade do país vizinho pode ser a porta de entrada de potências estrangeiras na região. É muito mais fácil aprovar uma intervenção em um país pequeno, como o Líbano, do que seria na Síria. Isso colocaria tropas indesejáveis no quintal sírio, além de, provavelmente, dificultar a ação de grupos aliados do ditador, como o Hizbollah, o que no longo prazo seria também trágico para o ditador.

Foto de Beirute, no Líbano, após o atentado terrorista que vitimou Wissam Al Hassan

Analisando este panorama, parece claro que o atual governo da Síria está perto do fim. O interessante é que, aparentemente, até mesmo a alta cúpula do governo Assad percebeu isto. Na última semana, foi decretada a anistia de quase todos os tipos de crimes cometidos no país, anteriores à data do decreto. Um claro sinal de disposição a negociar ou de tentar, por vias não violentas, persuadir os rebeldes a pararem de lutar, garantindo o perdão. Se não der certo, e provavelmente não dará, o decreto poderá servir de salvaguarda para perdão das próprias forças pró-Assad, quando cair o regime. O fim parece próximo para “dinastia” da família Assad.


Protestos nas Embaixadas Americanas – Impactos da Primavera Árabe

19 de setembro de 2012
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Na última semana, protestos generalizados ocorreram em diversos países islâmicos contra um filme que satirizava o Profeta islâmico Muhammad. O filme mostrava o Profeta sagrado como mulherengo, assassino e incentivador da pedofilia. Cabe ressaltar que a própria caracterização de Muhammad, atribuindo-lhe uma face, já é considerada extrememamente ofensivo à maior parte das correntes islamitas. Prova disso foram os também grandes protestos que ocorreram em 2005/2006 contra charges do Profeta em um jornal dinamarquês.

Em comparação com os eventos de 7 anos atrás, há uma diferença. Em alguns países há um cunho político muito forte, que perpassa e dá força aos protestos. Os países onde a violência dos protestos tomou maiores proporções são os mesmos que viveram mais intensamente os momentos da chamada “Primavera Árabe” em 2011. O objetivo deste texto é tentar buscar as ligações que possam explicar a correlação entre protestos violentos vistos agora e mudança política recente. Portanto, o recorte de países selecionado será resumido a quatro: Egito, Líbia, Tunísia e Iêmen, apesar de haverem notícias de protestos que vão da Nigéria até a Indonésia.

Invasão da embaixada norte-americana no Iêmen, na capital Saná.

O primeiro aspecto da Primavera Árabe que privilegia os protestos – e a violência – pode ser encarado de maneira positiva: há maior liberdade para se manifestar publicamente. Durante as ditaduras de Ben Ali, Kaddafi, Saleh e Mubarak, havia um forte controle contra a livre expressão e manifestação e, por vezes, os grupos muçulmanos mais conservadores não tinham voz nem espaço para manifestar suas opiniões e anseios. Cabe ressaltar aqui que defender o direito de um grupo de difundir suas ideias e opiniões não é o mesmo que defender o uso de violência como veículo de expressão.

O segundo componente importante é reflexo dos confrontos contra os exércitos nacionais e das deserções nas forças armadas e, portanto, é mais observado nos países onde os conflitos da Primavera Árabe foram mais violentos e duraram por mais tempo. Durante os conflitos, traficantes de armas e desertores das forças armadas enxurraram a sociedade civil de armas, sem o menor controle. Estas armas “perdidas” estão sendo usadas nos atuais confrontos com a polícia e nos ataques violentos contra as embaixadas norte-americanas. Exemplo claro é a Líbia, justamente onde diplomatas norte-americanos foram vitimados pelas manifestações contra o filme sobre Muhammad.

Foto do embaixador americano Chris Stevens, morto durante o ataque de manifestantes ao consulado americano em Benghazi, na Líbia

Em terceiro lugar, há o componente da fragilidade da reconstrução política. Na Tunísia e no Egito, apesar de já terem ocorrido eleições e governos “definitivos”, é a primeira experiência democrática dos países. É bastante natural que ainda haja certa instabilidade e que o governo tenha algumas dificuldades para lidar com crises. Na Líbia e no Iêmen, ainda temos governos de transição, com muitas disputas internas, e uma instabilidade ainda maior. Os grupos mais radicais aproveitam estes momentos de hesitação e as lacunas das novas administrações para conseguir realizar atos de violência.

Por fim, e talvez mais importante, o já mencionado componente político introduzido pela Primavera Árabe. Os grupos que lutaram para derrubar as décadas de ditadura nos países analisados não eram e não são homogêneos. Dentro da massa oprimida pelos governos autoritários, haviam sim democratas que lutavam por direitos políticos. Mas também haviam aqueles que queriam instaurar nos a lei islâmica e, talvez, até teocracias e também membros de grupos terroristas, estes desejosos de poder e novos adeptos.

As participações ao lado da população na derrubada de líderes tiranos fez com que alguns membros dos grupos fundamentalistas e dos grupos terroristas ganhassem espaço político, mesmo sendo minoria nos movimentos sociais. E é este espaço político – que se mistura muito com a liberdade de manifestação e expressão – que permitiu aos líderes destes movimentos anti-ocidente convocar e influenciar as manifestações que, na maioria das vezes, desencadearam em violência.

Manifestantes invadem embaixada americana no Cairo, Egito.

A Primavera Árabe inseriu em alguns países do Oriente Médio e do Norte da África novos componentes políticos e sociais. Estes por sua vez influenciaram no atual momento dos países, marcado por um forte anti-americanismo. O perigo de se colocar grupos de cunho mais radical dentro dos governos de transição foi ofuscado pelo otimismo gerado pela queda das antigas ditaduras e isso se traduziu em um grande problema de violência no primeiro estopim. Parece claro que o filme que satiriza o Profeta Muhammad é usado por uma minoria radical para alcançar fins políticos por meio da violência.


Quem ganha com a Rússia na OMC?

24 de agosto de 2012
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Esta semana o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um acordo com a Organização Mundial do Comércio para o país ser o 156° membro da organização. Das 20 maiores economias do planeta, a Rússia era a única que ainda não fazia parte da OMC após a entrada da China em 2001. A entrada, contudo, prevê um período de acomodação de alguns anos, com queda nas tarifas alfandegárias médias e liberalização de alguns setores da economia para capital estrangeiro.

Após 17 anos de negociações, a Rússia finalmente se torna membro da Organização Mundial de Comércio.

A priori a ampliação do livre-comércio na Rússia, com diminuição de tarifas, maior liberalização do comércio e diminuição do peso do Estado na economia, é vista de maneira louvável pelos economistas em geral. Mas há vozes dissonantes, tanto internas quanto externas, que acreditam que pouco irá mudar para os russos ou que ainda as medidas podem levar o país a problemas de ordem econômico-sociais, como desemprego. É preferível analisar de forma mais específica, e verificar quais grupos ou países ganham e quais perdem com uma maior abertura comercial de Moscou.

Os consumidores – e empresas enquanto consumidoras – em geral, ganham. A economia russa tem girado e dependido primordialmente de seus recursos minerais para exportação, enquanto compra bens de consumo de fora ou os produz de maneira pouco eficiente. A diminuição de tarifas fará com que estes bens importados, especialmente vindos da União Européia, se tornem mais baratos para a população como um todo. A entrada de produtos vindos de fora a preços menores também serve como ferramenta para continuar a manutenção dos índices de inflação.

Putin espera que a diminuição dos preços de bens de consumo faça com que as camadas médias e altas da Rússia passem a ter maior sobra de dinheiro para aumentar consumo e investimento. Além disso, espera atrair investimento externo  através da adequação às normas da OMC e sinalizando confiança e estabilidade para os investidores. Assim é esperado que o país desenvolva alguns setores pouco complexos economicamente e melhore sua infra-estrutura no médio prazo, tornando inclusive suas exportações mais competitivas.

Os produtores de commodities serão pouco afetados pelas regras da OMC, visto que a organização pouco regula o comércio de produtos primários ao redor do mundo. O máximo que poderia acontecer seria a redução de subsídios, mas como a produção russa no setor já é muito eficiente, é provável que o país continue a exportar muito petróleo, gás natural e derivados para os outros países europeus. O setor de armas, outro grande ponto forte das exportações russas não e contemplado pela Organização.

Plataforma de extração de gás da Gazprom, gigante estatal da Rússia no setor. Empresas de gás e petróleo não serão tão afetadas pelos acordos comerciais com a OMC.

E do lado de fora? Os parceiros comerciais da Rússia, em especial a União Européia, comemoram. A queda nas barreiras alfandegárias abre ainda mais um mercado de mais de 140 milhões de pessoas ávidas para consumir e sem um setor produtivo eficiente. O estímulo para o crescimento vem a calhar num momento de crise intensa no continente. China, Estados Unidos e outros países exportadores de produtos industrializados também vão aumentar suas fatias no mercado russo.

Mas nem tudo são flores. Alguns industriais russos, especialmente do já citado setor de bens de consumo, devem sofrer pesadas consequências. O parque obsoleto – com algumas plantas da era soviética – e a mão-de-obra relativamente cara em comparação a trabalhadores de mesma qualificação ao redor do mundo, fazem de alguns setores da indústria extremamente ineficientes, como é o caso do setor automobilístico. A entrada massiva de produtos estrangeiros fará com que estas empresas não se sustentem e acabem por deixar de existir em algum momento, levando, entre outras coisas, a elevação da taxa de desemprego. Percebemos porque a principal voz opositora da entrada na OMC dentro da Rússia é o Partido Comunista, ligado a sindicatos e ao operariado em geral.

Os carros Lada se tornaram símbolo da ineficiência da indústria russa de bens de consumo.

Nesse aspecto, a Rússia tem um enorme desafio: como reacomodar a economia após o desmantelamento das sobras das indústrias de bem de consumo, com a renda extra vinda da economia dos consumidores e empresas que pagarão menos por importados e, ainda, aumentar o índice de crescimento do PIB que está girando por volta de 2% ao ano. A principal urgência é evitar taxas altas de desemprego, para manter o consumo em níveis estáveis, e tentar evitar falências abruptas, afim de que o setor industrial de bens consiga “se transformar” em outros setores mais eficientes e condizentes com as “vantagens comparativas” russas. Demora e não é um processo tranquilo.

A análise de ganhos e perdas feita acima é bastante simples. Mas passa uma mensagem importante: em economia, especialmente em comércio internacional, não há ganhos e perdas absolutos. Há grupos que ganham e grupos que perdem e assim será na Rússia. Os ganhos, aparentemente, parecem maiores que as perdas, principalmente no longo prazo com a economia já acomodada. O curto prazo é mais perigoso. Uma mudança deste tamanho gera impactos expressivos na economia e, por conseguinte, perdas expressivas para alguns setores, que devem ser minimizadas.

Politicamente, a Rússia fez o que tinha que fazer. Parece cada vez mais inserida e disposta a uma integração global. Agora precisa trabalhar para mostrar que do ponto de vista econômico a decisão também foi acertada.


A Relação Bangladesh-Índia

22 de agosto de 2012
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Os países pequenos e pobres costumam ter um grande medo no que tange a política externa: ser engolido por seus vizinhos maiores. O caso do Bangladesh é bastante representativo nesse sentido, já que o pequeno país asiático está praticamente cercado pela Índia, a exceção de uma curtíssima faixa fronteiriça com Myanmar e seu pequeno litoral para o Golfo de Bengala. Desta forma, o governo bengali é obrigado a manter relações com o vizinho gigante. Mas estas relações nem sempre são boas, e costumam ter um padrão de “ziguezague” ao sabor do partido que controla o parlamento de Bangladesh.

Tradicionalmente os dois partidos mais fortes de Bangladesh são o Awami League (AL) e o Bangladesh Nationalist Party (BNP). O primeiro tem cunho mais secular, de centro-esquerda e de nacionalismo étnico (Bengali), enquanto o segundo tem ideais de centro-direita, mais conservadores e ligados a prática do islamismo. Além disso, ambos fundamentalmente diferem também em Política Externa: o Awami League procura uma relação mais amigável com a Índia, enquanto o Bangladesh Nationalist Party, dada sua tradição muçulmana e forte ligação com Paquistão.

Mapa de Bangladesh: destaque para a fronteira quase total com a Índia e a presença dos rios Ganges e Brahmaputra.

A alternância de poder entre estes dois partidos, no Bangladesh, impede que questões chaves entre os dois países sejam solucionadas. Os problemas mal resolvidos atrapalham ambos e toda a região. O Bangladesh não consegue ajustar suas questões com a Índia e, portanto, gasta tempo e recursos que poderiam ser empregados para outras questões prioritárias. A Índia, por sua vez, tem que gastar atenção com mais uma fronteira problemática, para controlar imigração ilegal e contrabandos de armas e equipamentos para grupos separatistas e/ou terroristas.

O Bangladesh por si só já tem problemas em demasia. O país tem uma densidade demográfica de – pasmem – 1033,5 habitantes/km² e possui um PIB per capita de apenas US$ 735,00 anuais, o segundo pior da Ásia. Graças a isso, pressão social é extremamente grande e muitos bengali emigram para outros países, em especial, a Índia. Estima-se que hajam pelo menos 10 milhões de cidadãos de Bangladesh vivendo ilegalmente no país vizinho. O governo de Nova Delhi, por motivos óbvios trata esta situação com imensa gravidade, enquanto que o governo de Daca acaba por fazer vistas grossas: além de ganhar um “alívio” populacional de milhões de pessoas, o país recebe as remessas de seus nativos vivendo em outras localidades, que cumprem importante papel na renda nacional.

Outro grande problema entre os dois países concerne a uma questão ambiental de grande relevância: os regimes fluviais dos rios Ganges e Brahmaputra. Ambos passam pela Índia, se juntam em um único corpo d’água e desaguam no golfo de Bengala, já em território bengali.  Os tratados de uso e poluição das águas tem sido fonte de atrito, uma vez que os rios chegam em Bangladesh já poluídos e com fluxo de água modificado pelos sistemas de irrigação indianos. Bangladesh reivindica regulação do uso dos rios para uso urbano e rural de maneira que possa aproveitar melhor de suas águas, tanto para consumo, quanto para desenvolvimento de atividades econômicas.

O terceiro pilar problemático da relação Índia-Bangladesh é o déficit comercial de Bangladesh. O pequeno país exporta quase que exclusivamente têxteis para a Índia, enquanto necessita comprar toda a sorte de produtos industrializados. Os acordos de livre-comércio da OMC impedem que Bangladesh imponha tarifas alfandegárias sobre os produtos indianos, enquanto não impedem a Índia de proteger sua agricultura e sua indústria trabalho-intensiva com subsídios aumentando ainda mais o gap comercial.

Por fim, o nível de falência do Estado de Bangladesh – 29° pior do mundo – leva a problemas de fiscalização de fronteiras e instalação de entidades criminosas no país. Dos mais variados tipos, desde organizações terroristas islâmicas até os mais diversos tipos de tráfico, estes grupos ameaçam a Índia de maneira direta e indireta: grupos anti-governo ou separatistas indianos se refugiam e montam suas bases em território bengali, inclusive montando pequenos grupos de guerrilha. De maneira indireta, traficantes de armas, drogas e pessoas vindos de Bangladesh usam a Índia como rota, até pela dificuldade do governo de Daca de fiscalizar as fronteiras.

Imagem da capital de Bangladesh, Daca. O país é extremamente povoado, gerando uma pressão social imensa para emigração.

O partido anti-Índia em Bangladesh (BNP) deve analisar a parceria com a Índia de maneira mais pragmática. É impossível ignorar a presença de um vizinho tão grande e, mais ainda, caminhar em direção a uma inimizade com um país tão mais poderoso. Em relação ao Estado, como um todo, criar e fortalecer instituições que tragam estabilidade nas relações com Nova Delhi, como acordos de longo prazo, pactos celebrados em organizações internacionais e independência da atuação do corpo diplomático. A estratégia atual é a busca por outros parceiros grandes no Ocidente, no Oriente Médio e na própria Ásia. Não está errado, mas não substitui as benesses de uma aproximação com a Índia.

A cooperação entre Estados podem ser jogos de soma maior que zero. Mas devem ser pautadas pelo interesse de ambos e feita com simetria dentro das possibilidades dos países. Bangladesh e Índia tem grandes diferenças em território, economia e até mesmo relevância no cenário internacional, mas os problemas comuns e a vizinhança pode fazer com que a união de ambos solucione problemas de maneira mais eficiente, liberando recursos para resolução de outros problemas, ainda mais graves como o sub-desenvolvimento latente, tanto para a Índia quanto para Bangladesh.


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Sou Andrei Dias, paulistano, estudante de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, onde ingressei em 2011. Atualmente, também sou coordenador geral do NERI (Núcleo de Estudos em Relações Internacionais) uma entidade estudantil que promove discussões e palestras sobre diversas regiões do globo.

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