A “Primavera” Síria está mais com cara de inverno. As manifestações pró-democracia e pedindo a renuncia do presidente Bashar Al-Assad se transformaram numa sangrenta guerra civil com mais de 8 mil mortos. Somado a isso dois problemas: o Conselho de Segurança da ONU está impedido de intervir ante o veto sistemático da Rússia em qualquer assunto relacionado ao seu aliado sírio no Oriente Médio e a grande fragmentação religiosa da população.
Nos 40 anos da ditadura da família Assad, que começou com o pai Hafez Al-Assad e permanece com Bashar, esta é a maior crise e ameaça ao regime. Sob a mão firme do governo, as latentes divisões étnicas e religiosas foram controladas e formatadas, mas a influência das revoltas em outros países chegou a Damasco e inflamou as massas contra o autoritarismo do governo, que reagiu violentamente.
O caminho tomado não tem mais volta. Já não há “clima” para Assad no comando do país árabe e, independentemente da intervenção de países estrangeiros, é muito pouco provável que ele permaneça no poder após o final da Guerra Civil. Resta saber para onde irá a Síria após a transição de poder e principalmente como se dará essa transição. E por mais otimista que se possa ser, é muito difícil imaginar um cenário tranquilo para os sírios no curto prazo.
A força abusiva adotada pelo governo Assad na repressão aos movimentos pró-democracia gerou um efeito de radicalização dentro da própria oposição. Grupos radicais, principalmente ligados a maioria sunita da população, ganharam espaço dentro da liderança política dos grupos opositores a ditadura Assad. Mais que isso, muitos desses radicais acreditam e lutam pela implementação de um estado religioso islâmico na Síria e é por isso que as minorias lutam ao lado das forças governistas, que são desde o início da ditadura, seculares.
A combinação radicalismo e estado religioso é ainda mais terrível para as minorias sírias, como os cristãos e até mesmos muçulmanos xiitas e alauitas. Esse último grupo ainda teme represálias por ser o grupo dominante da “dinastia” Assad e constituir a elite do política do país. Neste cenário de estado religioso, ainda sem intervenções externas no país, é bem provável que haja perseguições religiosas, massacres ou ainda a continuação da guerra civil numa eventual segunda fase, menos política e mais religiosa.
Ao olharmos para o radicalismo da guerra civil e suas possíveis – para não dizer prováveis – consequências, vemos que ONU teria um papel fundamental na Síria, que vai muito além de parar ou não a guerra civil atual e salvar as milhares de vida em risco. O papel real das Nações Unidas é, também, garantir – ao lado dos atuais grupos rebeldes – que a transição de poder ocorra da maneira mais pacífica possível e na reconstrução física e institucional do país, como já foi feito no Timor Leste e no Camboja, por exemplo.
Os anos de repressão da ditadura da família Assad somadas a dureza da repressão aos movimentos democráticos levaram a Síria a uma crise profunda em sua sociedade. As clivagens religiosas controladas a mão de ferro por mais de 30 anos afloraram de uma maneira brutal durante a guerra civil que já ceifou milhares de vida. Mas não se deve acusar cristãos e muçulmanos minoritários por lutarem ao lado de um ditador, já que em muitos momentos lutar por Assad significa lutar pela sua existência como grupos reconhecidos pelo Estado.
A ONU, bloqueada pelos russos, precisará de muita diplomacia para se livrar o quanto antes dessa amarra e intervir na Síria. A paz no processo transitório pode depender muito de forças internacionais na pacificação e na reconstrução do país árabe. Nem sempre as intervenções humanitárias são a melhor solução para um problema de cunho interno, devido a conflitos de soberania e direito de auto-determinação dos povos. Mas é inegável que nos últimos anos houve relativo sucesso por parte das Nações Unidas em suas intervenções e que, na situação que a Síria se encontra, qualquer ajuda é bem-vinda.
A agência estatal norte-coreana KCNA anunciou, há alguns dias, que o governo da Coréia do Norte suspendeu o seu programa nuclear e o lançamento de mísseis de longo alcance em troca de ajuda humanitária dos Estados Unidos, no que toca principalmente a doação de alimentos. Dessa notícia, podemos não só inferir sobre a política externa norte-coreana, como também sobre a política interna do país nesses primeiros meses de administração Kim Jong-un.
Olhando primeiramente para a política externa, pode-se interpretar a suspensão como um sinal de que a Coréia do Norte está se abrindo para um diálogo maior, especialmente com os Estados Unidos. Isso pode ser um primeiro passo para a retomada de negociações multilaterais que incluam também a Coréia do Sul, também muito ameaçados pelo programa nuclear de Pyongyang.
Essa política contrasta fortemente com a política externa anterior, adotada por Kim Jong-Il que nos últimos 10 anos isolou o país gradualmente da comunidade internacional, criou o programa nuclear norte-coreano e aumentou os sistemas de defesa militar por volta de 20 vezes no período. Ou seja, a transição de governo norte-coreana parece não ter colocado na liderança apenas um novo nome, mas sim um novo programa de governo.
Contudo, não podemos descartar a possibilidade de uma interferência direta da China neste acordo, já que há um interesse grande dos chineses na pacificação da região. Pequim é o único aliado da Coréia do Norte e tem papel fundamental na economia norte-coreana, financiando grande parte da ajuda humanitária que o Pyongyang recebe, tanto em alimentos quanto em dinheiro.
Do ponto de vista da política interna norte-coreana, a suspensão do programa nuclear evidencia que a linha-dura do Partido Comunista está perdendo força ante uma linha mais moderada e mais preocupada com os problemas que a população sofre, como a deficiência alimentar. Ainda que haja uma pressão chinesa externa
Isso responde a uma questão importante da transição de poder: se Kim Jong-un exerceria o poder de facto ou se seria manipulado pelas alas mais militarizadas do partido, que desde o princípio preferiam transferir o poder de Kim Jong-il para Jang Song-thaek, tio de Jong-un. Tratando-se Coréia do Norte, não se pode inferir nada além de especulações, mas aparentemente Kim Jong-un – tido como mais moderado – está mais atuante neste momento do que o linha-dura Jang Song-thaek – conhecido por ser muito forte nos bastidores.
O momento da transição de governo é sempre importante para sinalizar as intenções de um país no futuro. E Pyongyang parece indicar que vai seguir caminho mais aberto ao diálogo e mais preocupado com os problemas sociais do país, fruto de uma liderança mais arejada do jovem Kim Jong-un. Tomar uma decisão da magnitude de suspender o programa nuclear tão cedo é inteligente, pois transmite à sociedade internacional desde já que o novo governo está disposto a negociar e colaborar com o principal problema de segurança regional.
A unificação das Coréias ou ainda o modesto objetivo de abertura da Coréia do Norte, ainda estão distantes. Mas a entrada de Kim Jong-un e sua participação no governo parecem apontar para um primeiro passo, a retomada de negociações multilaterais com Estados Unidos e Coréia do Sul. A hipótese de a China pressionar a pacificação nas Coréias também sinaliza para a estabilidade já que tanto os aliados do Sul, quanto os do Norte, parecem estar alinhados em busca deste objetivo. Havendo negociação, há sempre a possibilidade de evolução para objetivos maiores de integração e parcerias regionais, e desta vez, parecem estar todos do mesmo lado.