Opinação

A Crise na Síria

21 de março de 2012
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A “Primavera” Síria está mais com cara de inverno. As manifestações pró-democracia e pedindo a renuncia do presidente Bashar Al-Assad se transformaram numa sangrenta guerra civil com mais de 8 mil mortos. Somado a isso dois problemas: o Conselho de Segurança da ONU está impedido de intervir ante o veto sistemático da Rússia em qualquer assunto relacionado ao seu aliado sírio no Oriente Médio e a grande fragmentação religiosa da população.

Nos 40 anos da ditadura da família Assad, que começou com o pai Hafez Al-Assad e permanece com Bashar, esta é a maior crise e ameaça ao regime. Sob a mão firme do governo, as latentes divisões étnicas e religiosas foram controladas e formatadas, mas a influência das revoltas em outros países chegou a Damasco e inflamou as massas contra o autoritarismo do governo, que reagiu violentamente.

O ditador sírio Bashar al-Assad

O caminho tomado não tem mais volta. Já não há “clima” para Assad no comando do país árabe e, independentemente da intervenção de países estrangeiros, é muito pouco provável que ele permaneça no poder após o final da Guerra Civil. Resta saber para onde irá a Síria após a transição de poder e principalmente como se dará essa transição.  E por mais otimista que se possa ser, é muito difícil imaginar um cenário tranquilo para os sírios no curto prazo.

A força abusiva adotada pelo governo Assad na repressão aos movimentos pró-democracia gerou um efeito de radicalização dentro da própria oposição. Grupos radicais, principalmente ligados a maioria sunita da população, ganharam espaço dentro da liderança política dos grupos opositores a ditadura Assad. Mais que isso, muitos desses radicais acreditam e lutam pela implementação de um estado religioso islâmico na Síria e é por isso que as minorias lutam ao lado das forças governistas, que são desde o início da ditadura, seculares.

A combinação radicalismo e estado religioso é ainda mais terrível para as minorias sírias, como os cristãos e até mesmos muçulmanos xiitas e alauitas. Esse último grupo ainda teme represálias por ser o grupo dominante da “dinastia” Assad e constituir a elite do política do país. Neste cenário de estado religioso, ainda sem intervenções externas no país, é bem provável que haja perseguições religiosas, massacres ou ainda a continuação da guerra civil numa eventual segunda fase, menos política e mais religiosa.

Gráfico da divisão sectária na Síria (Agência Estado)

Ao olharmos para o radicalismo da guerra civil e suas possíveis – para não dizer prováveis – consequências, vemos que ONU teria um papel fundamental na Síria, que vai muito além de parar ou não a guerra civil atual e salvar as milhares de vida em risco. O papel real das Nações Unidas é, também, garantir – ao lado dos atuais grupos rebeldes – que a transição de poder ocorra da maneira mais pacífica possível e na reconstrução física e institucional do país, como já foi feito no Timor Leste e no Camboja, por exemplo.

Os anos de repressão da ditadura da família Assad somadas a dureza da repressão aos movimentos democráticos levaram a Síria a uma crise profunda em sua sociedade. As clivagens religiosas controladas a mão de ferro por mais de 30 anos afloraram de uma maneira brutal durante a guerra civil que já ceifou milhares de vida. Mas não se deve acusar cristãos e muçulmanos minoritários por lutarem ao lado de um ditador, já que em muitos momentos lutar por Assad significa lutar pela sua existência como grupos reconhecidos pelo Estado.

A ONU, bloqueada pelos russos, precisará de muita diplomacia para se livrar o quanto antes dessa amarra e intervir na Síria. A paz no processo transitório pode depender muito de forças internacionais na pacificação e na reconstrução do país árabe. Nem sempre as intervenções humanitárias são a melhor solução para um problema de cunho interno, devido a conflitos de soberania e direito de auto-determinação dos povos. Mas é inegável que nos últimos anos houve relativo sucesso por parte das Nações Unidas em suas intervenções e que, na situação que a Síria se encontra, qualquer ajuda é bem-vinda.


A Transição de Poder na Coréia do Norte e a Suspensão do Programa Nuclear

10 de março de 2012
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A agência estatal norte-coreana KCNA anunciou, há alguns dias, que o governo da Coréia do Norte suspendeu o seu programa nuclear e o lançamento de mísseis de longo alcance em troca de ajuda humanitária dos Estados Unidos, no que toca principalmente a doação de alimentos. Dessa notícia, podemos não só inferir sobre a política externa norte-coreana, como também sobre a política interna do país nesses primeiros meses de administração Kim Jong-un.

Olhando primeiramente para a política externa, pode-se interpretar a suspensão como um sinal de que a Coréia do Norte está se abrindo para um diálogo maior, especialmente com os Estados Unidos. Isso pode ser um primeiro passo para a retomada de negociações multilaterais que incluam também a Coréia do Sul, também muito ameaçados pelo programa nuclear de Pyongyang.

Kim Jong-un em meio ao alto escalão militar da Coréia do Norte. Enfraquecimento do poder político do das Forças Armadas?

Essa política contrasta fortemente com a política externa anterior, adotada por Kim Jong-Il que nos últimos 10 anos isolou o país gradualmente da comunidade internacional, criou o programa nuclear norte-coreano e aumentou os sistemas de defesa militar por volta de 20 vezes no período. Ou seja, a transição de governo norte-coreana parece não ter colocado na liderança apenas um novo nome, mas sim um novo programa de governo.

Contudo, não podemos descartar a possibilidade de uma interferência direta da China neste acordo, já que há um interesse grande dos chineses na pacificação da região. Pequim é o único aliado da Coréia do Norte e tem papel fundamental na economia norte-coreana, financiando grande parte da ajuda humanitária que o Pyongyang recebe, tanto em alimentos quanto em dinheiro.

Do ponto de vista da política interna norte-coreana, a suspensão do programa nuclear evidencia que a linha-dura do Partido Comunista está perdendo força ante uma linha mais moderada e mais preocupada com os problemas que a população sofre, como a deficiência alimentar. Ainda que haja uma pressão chinesa externa

Míssil Balístico norte-coreano. Este tipo de míssil carrega as ogivas com material atômico.

Isso responde a uma questão importante da transição de poder: se Kim Jong-un exerceria o poder de facto ou se seria manipulado pelas alas mais militarizadas do partido, que desde o princípio preferiam transferir o poder de Kim Jong-il para Jang Song-thaek, tio de Jong-un. Tratando-se Coréia do Norte, não se pode inferir nada além de especulações, mas aparentemente Kim Jong-un – tido como mais moderado – está mais atuante neste momento do que o linha-dura Jang Song-thaek – conhecido por ser muito forte nos bastidores.

O momento da transição de governo é sempre importante para sinalizar as intenções de um país no futuro. E Pyongyang parece indicar que vai seguir caminho mais aberto ao diálogo e mais preocupado com os problemas sociais do país, fruto de uma liderança mais arejada do jovem Kim Jong-un. Tomar uma decisão da magnitude de suspender o programa nuclear tão cedo é inteligente, pois transmite à sociedade internacional desde já que o novo governo está disposto a negociar e colaborar com o principal problema de segurança regional.

A unificação das Coréias ou ainda o modesto objetivo de abertura da Coréia do Norte, ainda estão distantes. Mas a entrada de Kim Jong-un e sua participação no governo parecem apontar para um primeiro passo, a retomada de negociações multilaterais com Estados Unidos e Coréia do Sul. A hipótese de a China pressionar a pacificação nas Coréias também sinaliza para a estabilidade já que tanto os aliados do Sul, quanto os do Norte, parecem estar alinhados em busca deste objetivo. Havendo negociação, há sempre a possibilidade de evolução para objetivos maiores de integração e parcerias regionais, e desta vez, parecem estar todos do mesmo lado.


About author

Sou Andrei Dias, paulistano, estudante de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, onde ingressei em 2011. Atualmente, também sou coordenador geral do NERI (Núcleo de Estudos em Relações Internacionais) uma entidade estudantil que promove discussões e palestras sobre diversas regiões do globo.

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